É Hora de Repensar a Estratégia de Preços em Tempos de Inflação
Introdução
Nos últimos anos, o mundo inteiro experimentou um fenômeno que muitos gestores de negócios brasileiros conhecem de perto: a inflação voltou a fazer parte das conversas do dia a dia. A elevação de custos de insumos, energia e mão de obra pressionou margens e levou empresas de todos os tamanhos a um mesmo dilema — como repassar aumentos sem perder clientes?
Durante o auge da inflação global entre 2022 e 2025, companhias dos mais diversos setores descobriram que simples reajustes de tabela deixaram de ser sustentáveis. A cada aumento, o consumidor reagia com frustração e desconfiança, buscando alternativas mais baratas ou adiando o consumo. No Brasil, essa sensibilidade é ainda maior: segundo dados da NielsenIQ e do IBGE, mais de 70% dos brasileiros afirmaram ter mudado hábitos de compra nos últimos anos, reduzindo volume ou trocando marcas para lidar com o aumento de preços.
Foi nesse cenário que muitas empresas, no Brasil e no mundo, começaram a explorar uma saída menos óbvia — a combinação inteligente de produtos e serviços em ofertas integradas. A ideia não era apenas vender mais itens de uma vez, mas reconfigurar o valor percebido, oferecendo conveniência, previsibilidade e sensação de ganho.
O exemplo mais emblemático veio da rede americana Chili’s, que, após anos de estagnação, lançou um cardápio fixo chamado “3 For Me”. A proposta era simples: um prato principal, uma entrada e uma bebida por um preço único. O resultado? Um salto de 31% nas vendas comparáveis em 2025 e a maior valorização de suas ações em duas décadas. O curioso é que apenas 19% dos clientes escolhiam o menu completo — o verdadeiro efeito estava na percepção de acessibilidade que a oferta criava.
A mesma lógica pode ser observada no Brasil em segmentos como telefonia, academias, streaming e alimentação fora do lar. Combinar produtos que já existiam, mas de forma clara e vantajosa, passou a ser uma maneira eficaz de proteger margens sem parecer que se está cobrando mais.
Mas esse tipo de estratégia vai além de “combinar produtos”. Ela se apoia em um princípio mais amplo: em tempos de inflação, o preço deixa de ser apenas um número e passa a ser uma narrativa. O que se vende, de fato, é a coerência entre valor percebido e valor cobrado — e é aí que mora o diferencial competitivo.
Nos próximos capítulos, este artigo explora como empresas brasileiras podem redesenhar sua arquitetura de preços, usando a combinação de ofertas, formatos e benefícios de forma ética, clara e sustentável. A meta não é apenas sobreviver à inflação, mas transformar a forma como o consumidor percebe valor — e, com isso, restaurar a confiança entre marcas e pessoas em um período de incerteza econômica.
Capítulo 1 — Por que “combinar produtos” voltou a funcionar em tempos de inflação
Nos momentos em que os preços sobem mais rápido do que a renda, a relação entre empresas e consumidores muda profundamente. O cliente deixa de olhar apenas para o produto e passa a buscar segurança na compra — previsibilidade, clareza e sensação de vantagem. O preço, antes um simples número, passa a carregar significados emocionais: confiança, justiça e até empatia.
Foi exatamente esse o contexto que deu origem à retomada das ofertas integradas — combinações de produtos e serviços que apresentam um valor total claro, por um preço único. O movimento começou nos Estados Unidos, com empresas como a Chili’s e a AT&T, mas rapidamente se espalhou por outros mercados, inclusive o brasileiro.
O raciocínio é simples, mas poderoso: quando a inflação se torna tema cotidiano, o consumidor passa a comparar tudo. Ele mede preço, avalia quantidade, calcula custo-benefício e tenta encontrar o que parece mais “justo”. Nesse ambiente, o ato de agrupar produtos ou serviços correlatos em uma oferta só pode gerar uma percepção positiva — “estou pagando menos por mais”, mesmo que o desconto não seja tão grande quanto imagina.
A pesquisa global da McKinsey sobre comportamento de compra em 2024 mostra que 82% dos consumidores afirmam procurar opções “com valor agregado”, não necessariamente as mais baratas. Essa tendência é ainda mais forte no Brasil, onde a inflação acumulada e o poder de compra instável tornaram o público mais racional, mas também mais atento a recompensas e conveniências.
Empresas que compreenderam isso conseguiram transformar o desconforto inflacionário em uma oportunidade de reposicionamento.
No setor alimentício, redes de supermercados e aplicativos de delivery começaram a oferecer combos fixos semanais, como “kit do mês” ou “cesta de café da manhã”, reduzindo o peso psicológico da decisão repetida de compra.
No setor de telecomunicações, planos que combinam internet, streaming e minutos ilimitados cresceram em adesão, mesmo sem descontos agressivos, apenas pela sensação de controle que proporcionam.
Esses movimentos mostram algo essencial: não se trata apenas de preço, mas de percepção de valor. O consumidor brasileiro, pressionado por meses seguidos de aumentos, quer sentir que o dinheiro continua tendo sentido. E quando uma marca consegue comunicar essa sensação — de que oferece mais do que cobra — ela reconstrói um vínculo que a inflação tende a corroer.
Por outro lado, as empresas que insistem em repassar custos de maneira linear, sem revisitar sua arquitetura de ofertas, entram em um ciclo de desgaste. A cada novo reajuste, cresce o atrito com o cliente, o engajamento cai e a lealdade se dissolve. Já aquelas que redesenham sua estratégia com base na lógica do valor percebido conseguem equilibrar margem e empatia — uma equação que, em tempos de inflação, é mais poderosa do que qualquer desconto.
A retomada das ofertas integradas é, portanto, um reflexo de maturidade de mercado. Ela reconhece que o preço não é apenas resultado de custo e demanda, mas uma construção simbólica entre empresa e cliente. E, quando bem utilizada, essa abordagem pode fazer com que a inflação deixe de ser um inimigo e se torne um catalisador de inovação comercial.
Capítulo 2 — O que realmente cria valor em uma combinação
Quando se fala em “combinar produtos”, muitos gestores ainda pensam em promoção. A ideia de que “juntar coisas e baixar o preço” aumenta o volume de vendas está profundamente enraizada. Mas essa visão, embora funcional no curto prazo, é limitada — e frequentemente destrói margem.
O verdadeiro poder de uma oferta integrada não está no desconto, mas em como ela simplifica a vida do cliente e amplia a percepção de valor.
Em momentos de inflação, essa diferença é crucial. O consumidor já está cansado de recalcular preços, revisar orçamentos e comparar alternativas. O que ele mais valoriza é não precisar pensar tanto. E, nesse ponto, uma oferta bem estruturada cumpre um papel psicológico e operacional que vale tanto quanto o preço em si.
Podemos entender esse valor sob quatro dimensões principais:
- Estímulo a novas compras
Quando uma empresa combina produtos de forma inteligente, ela convida o cliente a experimentar algo que talvez não comprasse isoladamente.
Foi o que aconteceu, por exemplo, com o “3 For Me” da Chili’s: a entrada e a bebida não eram o foco do consumidor, mas a ideia de “conjunto vantajoso” gerou aumento expressivo de fluxo e faturamento.
No Brasil, redes de academias e serviços de estética observaram fenômeno semelhante ao integrar pacotes de treino e bem-estar — o consumidor vê a compra como uma decisão mais completa e racional, e não como gasto adicional.
- Decisões mais fáceis e menos ansiosas
A ciência comportamental chama isso de “fadiga de escolha”. Pesquisas clássicas de Barry Schwartz e Sheena Iyengar mostram que, quando há muitas opções, as pessoas adiam ou evitam a compra.
Em inflação, essa fadiga se multiplica: cada compra exige ponderar preço, marca, durabilidade e prioridade. Ofertas integradas reduzem esse estresse, pois simplificam o processo decisório.
Em supermercados e aplicativos, por exemplo, kits predefinidos de refeições prontas ou produtos essenciais não apenas economizam tempo, mas também reforçam a sensação de que o cliente está tomando uma boa decisão sem esforço.
- Redução de custos e ganho de eficiência
Do ponto de vista empresarial, vender combinações também reduz o custo operacional.
Pacotes padronizados simplificam estoque, logística, atendimento e comunicação.
É o mesmo raciocínio por trás dos menus fixos na alimentação fora do lar ou dos planos “combo” em telecomunicações: menos variação significa mais previsibilidade.
Durante períodos de inflação, quando os custos flutuam e a reposição é incerta, essa previsibilidade tem valor estratégico.
- Fortalecimento do relacionamento
Por fim, combinar produtos cria um ponto de contato emocional com o cliente.
Ao oferecer algo que resolve mais de uma necessidade ao mesmo tempo, a marca passa a ser percebida como parceira, e não apenas vendedora.
Isso ajuda a reter consumidores mesmo em momentos de aperto financeiro, porque o vínculo se desloca do preço para o propósito e a conveniência.
Empresas que conseguiram atravessar períodos de inflação com lealdade elevada — como operadoras de telefonia que ofereceram bônus em vez de reajuste — apostaram justamente nessa dimensão relacional.
Esses quatro pilares — venda incremental, decisão facilitada, eficiência e relacionamento — formam o que pode ser chamado de valor total da oferta. É ele que faz a diferença entre uma promoção passageira e uma estratégia de precificação sólida.
E, para o consumidor brasileiro, que vive em um ambiente de alta incerteza e orçamentos apertados, esse valor é percebido tanto na razão quanto na emoção.
Capítulo 3 — Como desenhar uma oferta integrada (sem depender de desconto)
Criar uma combinação de produtos que funcione bem é mais arte do que fórmula. O erro mais comum das empresas é pensar que oferecer “dois por um” ou “leve três, pague dois” basta para o cliente perceber vantagem. Em tempos de inflação, no entanto, o público já se tornou mais cético — ele sabe quando está diante de um pacote realmente vantajoso e quando se trata apenas de uma redução disfarçada de preço.
O primeiro passo, portanto, não é decidir o desconto, mas entender o que as pessoas realmente estão tentando resolver.
Toda combinação bem-sucedida nasce da resposta a uma pergunta simples: “de que forma posso tornar a vida do meu cliente mais fácil, mais completa ou mais previsível?”
Quando a empresa olha por esse ângulo, a precificação deixa de ser um exercício de matemática e passa a ser um exercício de empatia.
Em uma pesquisa recente da Deloitte com consumidores latino-americanos, mais de 60% afirmaram que pagariam mais caro por um produto que reduzisse esforço ou incerteza — seja com entrega rápida, suporte estendido ou integração com outros serviços. Ou seja: o valor percebido não está no preço em si, mas no conjunto de benefícios e conveniências que envolvem a compra.
É essa lógica que explica o sucesso de diversos modelos no Brasil nos últimos anos. Serviços de streaming e plataformas de jogos, por exemplo, aprenderam que o cliente valoriza a simplicidade: pagar um valor fixo por acesso múltiplo — filmes, séries, música, jogos — não é visto como “combo”, mas como experiência integrada. Da mesma forma, bancos digitais e operadoras de telefonia passaram a oferecer planos com camadas: o cliente pode começar em uma versão básica, subir para outra com vantagens e, ao fazê-lo, sente que está evoluindo, não gastando mais.
Esses casos mostram que o poder da combinação está em agregar valor sem tirar a liberdade de escolha.
Quando o consumidor sente que pode comprar cada item separadamente, mas escolhe o conjunto porque faz sentido, o efeito é positivo.
Mas quando a empresa impõe a compra conjunta — sem alternativa —, o cliente percebe a estratégia como “forçada” e passa a desconfiar. No Brasil, onde a noção de “venda casada” é amplamente conhecida, essa diferença é decisiva. O segredo está em oferecer o pacote como uma opção vantajosa, nunca como uma obrigação.
Além disso, há um aspecto simbólico importante: as combinações mais eficazes contam uma história. O pacote não é uma soma de itens; é uma proposta. Um plano que une alimentação saudável e academia fala de bem-estar. Uma assinatura que junta transporte, benefícios e cashback fala de conveniência. Um serviço que combina software, suporte e treinamento fala de segurança. Quando essa narrativa é coerente, o preço parece natural — o cliente entende o valor antes mesmo de olhar a etiqueta.
Por fim, vale lembrar que as ofertas integradas não precisam ser estáticas. Algumas empresas têm adotado o conceito de “combinações dinâmicas”: conjuntos de produtos que variam conforme o momento do cliente, seu histórico ou seu comportamento de compra. Um e-commerce pode, por exemplo, sugerir um “kit de reabastecimento mensal” personalizado; um supermercado pode ajustar seu combo conforme as preferências da família. Essa personalização — facilitada pela análise de dados — transforma a combinação em algo vivo e adaptável, que cresce junto com o consumidor.
Em resumo: uma oferta integrada não é sobre juntar coisas, mas sobre juntar sentidos. É quando o preço reflete uma conveniência real, o desconto é consequência e não o foco, e a marca passa a ocupar um papel mais relevante na rotina do cliente.
Capítulo 4 — Precificação em inflação: formatos, tamanhos e escadas de valor
Em cenários de inflação, a arte de precificar se transforma em um exercício de equilíbrio. De um lado, estão os custos crescentes de produção, transporte e insumos. Do outro, um consumidor cansado de aumentos e cada vez mais sensível à ideia de “valor justo”. O desafio não é apenas ajustar preços — é reconfigurar a forma como o preço é apresentado e percebido.
Nos últimos anos, o termo Price Pack Architecture (ou simplesmente, “arquitetura de formatos e tamanhos”) ganhou força justamente por oferecer uma solução pragmática: adaptar embalagens, planos ou serviços à realidade de compra do cliente, e não o contrário. Em vez de aumentar o preço do mesmo produto, muitas empresas preferem ajustar o tamanho, o volume ou os benefícios oferecidos — criando uma escada de valor em que cada degrau tem um propósito claro.
Esse movimento já é visível em diferentes setores no Brasil. Na indústria de alimentos, as embalagens menores de snacks, cafés e laticínios tornaram-se uma forma de manter o preço nominal estável, ainda que o custo por grama tenha subido.
No varejo digital, planos parcelados e “versões básicas” de assinaturas oferecem ao consumidor uma sensação de controle: ele decide o quanto quer gastar, sem sentir que está sendo excluído. E em serviços financeiros, bancos e fintechs criaram planos escalonados — do gratuito ao premium — para acomodar diferentes perfis de renda sem sacrificar margem.
O segredo está em alinhar percepção e propósito. Quando uma empresa reduz a quantidade de um produto, mas comunica essa mudança de forma clara — explicando, por exemplo, que o formato menor é voltado a quem busca praticidade ou menor desperdício —, a percepção é positiva. Mas quando essa mesma redução é silenciosa, sem transparência, ela é rapidamente interpretada como oportunismo. Foi assim que o termo shrinkflation (a “inflação invisível”, quando se diminui o produto sem alterar o preço) ganhou repercussão negativa global. Em um estudo recente da NielsenIQ, 64% dos consumidores brasileiros afirmaram perceber embalagens menores “pelo mesmo preço”, e 70% declararam se sentir enganados quando isso não é informado de forma clara.
O que diferencia a boa prática da má não é o tamanho da embalagem, mas a história que a acompanha. Quando a empresa contextualiza o ajuste como parte de uma proposta coerente — por exemplo, um formato menor para consumo rápido ou uma versão “starter” de um serviço —, ela reforça a ideia de escolha e autonomia. A narrativa deixa de ser “você está pagando mais por menos” e passa a ser “você está pagando pelo que faz sentido para você”.
Outro conceito fundamental aqui é o da escada de valor.
Em vez de oferecer um único preço fixo, as marcas mais bem-sucedidas criam uma sequência de opções que acompanha o amadurecimento do cliente. O plano básico atende às necessidades essenciais; o intermediário adiciona conveniência; o avançado oferece status ou benefícios exclusivos. Essa estrutura não apenas estimula a progressão natural do consumidor, como também reduz a sensação de aumento súbito — ele sobe de nível quando se sente pronto, e não quando é forçado.
Essa lógica é amplamente utilizada por empresas de tecnologia, educação e saúde suplementar no Brasil. Plataformas de cursos online, por exemplo, têm usado planos “por módulo” e “por assinatura anual” para distribuir melhor o valor percebido. Operadoras de saúde oferecem pacotes graduais que vão do essencial ao executivo. O cliente vê transparência, percebe coerência e sente-se respeitado.
Por trás de todas essas estratégias há um ponto comum: transparência e coerência narrativa.
Em períodos de inflação, cada real gasto passa por um crivo moral — o consumidor quer saber se o que está pagando realmente faz sentido. Por isso, o desafio das empresas não é apenas ajustar preços, mas reconstruir o diálogo com o cliente sobre o valor que entregam.Quando isso é feito com clareza e consistência, o preço deixa de ser um problema e passa a ser um sinal de maturidade comercial.
Capítulo 5 — Preço claro, sem armadilhas
Quando a inflação se prolonga, o preço deixa de ser apenas um indicador econômico e passa a se tornar um tema emocional. Os consumidores não estão apenas atentos aos números: estão vigilantes. Observam, comparam, comentam nas redes e penalizam marcas que, mesmo sem intenção, transmitem falta de transparência. É por isso que, em tempos de instabilidade, a clareza no preço se torna uma das ferramentas mais poderosas para proteger a reputação de uma empresa.
Em 2024, um estudo global da McKinsey mostrou que transparência e simplicidade de preço foram os dois atributos mais correlacionados à lealdade em contextos inflacionários. No Brasil, a mesma tendência é visível: consumidores afirmam aceitar melhor um reajuste quando percebem coerência e justificativa. O problema não é pagar mais — é sentir que estão pagando “sem saber exatamente pelo quê”.
Essa percepção é o que diferencia empresas maduras em precificação daquelas que apenas “reagem ao mercado”.
As primeiras tratam o preço como parte de um diálogo honesto com o cliente. Elas explicam o que mudou, comunicam com antecedência, detalham o valor que entregam. As segundas preferem esconder aumentos em detalhes técnicos — diminuem quantidades, alteram condições ou fragmentam cobranças em partes pequenas, o que parece menos doloroso, mas mina a confiança a longo prazo.
Esse tipo de prática, conhecido em estudos de comportamento do consumidor como partitioned pricing, tem efeito ambíguo.
Em produtos de baixo envolvimento, pode até aumentar a sensação de “preço menor” (por exemplo, quando taxas são cobradas separadamente). Mas, em setores de relacionamento — como telecomunicações, educação, saúde ou serviços —, gera efeito inverso: o cliente sente que há “pegadinhas”. E, em inflação, a paciência do consumidor é curta.
O antídoto é a comunicação clara e completa do preço total. Empresas que informam o valor integral, já com impostos, taxas ou encargos embutidos, ganham pontos de credibilidade, mesmo quando o preço é superior ao da concorrência. Essa prática, adotada amplamente por bancos digitais, operadoras e plataformas de assinatura, responde a uma demanda contemporânea: o consumidor quer autonomia na decisão, e isso só é possível quando a informação é completa.
Um exemplo recente vem do setor aéreo. Após anos de críticas ao modelo de tarifas “desmembradas” — que cobravam separadamente por bagagem, assento e embarque prioritário —, companhias que voltaram a comunicar o preço final completo observaram recuperação gradual na confiança e no NPS (índice de recomendação líquida). O valor nominal continuava o mesmo, mas a experiência de compra deixou de parecer um labirinto. Transparência, nesse caso, não é apenas ética: é vantagem competitiva.
O mesmo vale para o varejo digital e para serviços de assinatura. Plataformas que detalham na tela de pagamento exatamente o que compõe o preço — produto, entrega, taxa, benefício — reduzem em até 30% a taxa de cancelamento no checkout, segundo estudo recente da PwC. Quando o cliente entende, ele confia. E quando confia, aceita pagar mais.
Em tempos de inflação, em que o bolso pesa e o ceticismo cresce, o preço precisa deixar de ser um segredo para voltar a ser um sinal de respeito. Empresas que comunicam com franqueza o valor de seus produtos constroem uma reputação de integridade que perdura além do ciclo econômico. Em última instância, clareza custa menos do que confusão, e o retorno sobre a transparência tende a ser mais duradouro do que qualquer desconto.
Capítulo 6 — Testar antes de escalar
Uma das maiores lições que o período inflacionário recente deixou para as empresas é que a pressa de ajustar preços pode custar caro. Em contextos de instabilidade, o que parece uma boa decisão no papel — um reajuste, uma nova embalagem, um plano diferente — pode ter efeitos inesperados sobre o comportamento do consumidor. Por isso, mais do que nunca, testar antes de escalar se tornou uma etapa indispensável.
Tradicionalmente, muitas empresas brasileiras tratam preço como algo “decidido no topo”, uma resposta tática às pressões de custo. O problema é que, quando o preço muda sem experimentação prévia, falta evidência sobre como o mercado reagirá.
E, em tempos de inflação, cada reação importa. Pequenos erros de leitura — um valor percebido como injusto, um benefício mal comunicado — podem provocar quedas súbitas de volume ou de confiança, difíceis de reverter.
Da intuição ao aprendizado estruturado
O primeiro passo é substituir a intuição por um processo de aprendizado contínuo. Empresas maduras em precificação tratam cada mudança de preço como um experimento controlado: definem hipóteses, delimitam amostras, medem resultados e, só então, expandem. Essa cultura de teste — ainda rara no Brasil, mas crescente em grandes grupos — aproxima a gestão de preço da lógica da ciência de dados: observar, testar, aprender, ajustar.
Ferramentas como a análise conjunta (conjoint analysis) têm sido amplamente usadas para entender como o consumidor avalia o conjunto preço + benefício. Elas permitem simular cenários: qual combinação de atributos gera maior intenção de compra?
Por exemplo, em uma pesquisa aplicada ao setor de telecomunicações, um estudo da Bain & Company mostrou que planos que adicionavam apenas 5% de valor percebido (por meio de conveniência, bônus ou personalização) geravam aumento de até 20% na propensão de adesão — mesmo sem redução de preço.
Além da pesquisa, testes em pequena escala — os chamados pilotos de mercado — ajudam a observar o comportamento real de compra. Um supermercado pode lançar uma nova combinação de produtos apenas em uma cidade, uma fintech pode testar um plano “intermediário” com parte da base de clientes, um restaurante pode aplicar seu menu integrado em dias específicos. O segredo está em mensurar não só o faturamento, mas também indicadores de confiança e aceitação, como satisfação pós-compra, recompra e recomendação.
Medir o que importa
Mais do que volume de vendas, o que as empresas precisam medir é valor percebido. A métrica clássica de sucesso em estratégias de preço é o aumento de receita por cliente (ARPU), mas, em tempos de inflação, é preciso olhar além.
Três indicadores ajudam a avaliar a real efetividade das novas ofertas:
- Taxa de adesão à oferta integrada — quantos consumidores migram do produto avulso para o conjunto.
- Índice de confiança de preço — medido por perguntas simples, como “você considera o preço justo pelo que recebe?”.
- Elasticidade pós-ajuste — observar como pequenas variações de preço impactam demanda após a introdução da nova arquitetura de valor.
Essas métricas permitem distinguir uma “promoção passageira” de uma mudança estrutural na percepção de valor.
Do piloto à expansão
Depois que o teste demonstra consistência, vem a fase de escala. O erro comum aqui é replicar automaticamente o preço ou o formato bem-sucedido em todos os mercados. A estratégia mais eficaz é graduar a expansão — ajustando o posicionamento conforme o perfil socioeconômico, o poder de compra e os hábitos regionais. Uma oferta integrada pode funcionar perfeitamente em São Paulo, onde o público busca conveniência, mas precisar de ajustes no Nordeste, onde o foco está no preço nominal.
O aprendizado local é o que garante a sustentabilidade nacional. Empresas que escalam com base em dados — e não apenas em entusiasmo — conseguem equilibrar agilidade e prudência, mantendo margens positivas sem comprometer a reputação.
No fim, testar antes de escalar é mais do que um método de precificação: é uma filosofia de gestão. Ela parte da humildade de reconhecer que o mercado é o verdadeiro laboratório, e que a resposta mais valiosa raramente está na planilha — está no comportamento real das pessoas.
Capítulo 7 — Casos que inspiram formatos flexíveis
Nem toda combinação de produtos precisa seguir o modelo tradicional de “pacote fixo”. Na prática, as estratégias mais bem-sucedidas em períodos de inflação são aquelas que se adaptam ao comportamento do consumidor — oferecendo flexibilidade, autonomia e sensação de controle. O segredo está em transformar a rigidez da tabela de preços em uma experiência dinâmica de valor.
Nos últimos anos, empresas de diferentes setores encontraram maneiras engenhosas de fazer isso. Algumas se tornaram referência em eficiência; outras, em empatia. Todas, porém, têm algo em comum: entenderam que o cliente quer escolher, não apenas pagar.
O “menu inteligente” da Chili’s
O caso da Chili’s, que abriu este artigo, é emblemático. A rede americana percebeu que a inflação havia tornado o público mais criterioso — o cliente queria comer fora, mas com previsibilidade de gasto. O “3 For Me” nasceu dessa escuta. Por um valor fixo, o consumidor escolhia uma combinação entre três categorias: entrada, prato principal e bebida. A beleza do modelo estava na simplicidade: o preço era único, o benefício claro e a percepção de valor, imediata.
O resultado ultrapassou qualquer expectativa — um aumento de 31% nas vendas comparáveis e a valorização recorde das ações da empresa em 2025. O que parecia apenas um “combo” se mostrou, na verdade, um reposicionamento psicológico do preço: o cliente sentia que estava escolhendo, não sendo conduzido.
A assinatura modular das academias brasileiras
No Brasil, academias e estúdios de treinamento enfrentaram um desafio parecido. Com a alta dos custos de energia, manutenção e pessoal, reajustar mensalidades se tornara inevitável. Mas a resistência dos alunos crescia. Algumas redes encontraram uma saída inteligente: criar assinaturas modulares.
Em vez de cobrar um único preço fixo, passaram a oferecer planos ajustáveis, que variam conforme frequência, horário e tipo de atividade. O cliente pode pagar menos se optar por horários alternativos, ou mais se quiser incluir serviços adicionais como nutricionista, personal online ou treinos híbridos. O efeito foi duplo: redução de cancelamentos e aumento do engajamento. O aluno percebe que tem controle sobre o gasto — e isso, em um ambiente inflacionário, é tão importante quanto o valor absoluto da mensalidade.
Planos progressivos no setor de telecomunicações
As operadoras de telefonia e internet também encontraram força na flexibilidade. Com o aumento constante dos custos de infraestrutura, repassar preços de forma linear se tornou insustentável. A resposta veio em forma de planos progressivos, que combinam internet, voz e serviços digitais sob um modelo “quanto mais você usa, mais benefícios ganha”.
Essa lógica de progressão cria uma escada de valor que recompensa o engajamento. Clientes que concentram mais serviços em um único plano recebem benefícios — seja um upgrade automático de velocidade, bônus de dados ou acesso gratuito a plataformas de streaming. O resultado é um relacionamento de longo prazo e menor churn (taxa de cancelamento). O cliente sente que ganha algo ao permanecer, e a empresa mantém rentabilidade sem recorrer a aumentos abruptos.
O varejo alimentar e a experiência do “kit do mês”
Outro formato que ganhou força no Brasil é o dos kits pré-definidos — conjuntos de produtos essenciais oferecidos a um preço previsível e fixo. Redes de supermercados e aplicativos de delivery criaram “cestas inteligentes” adaptadas ao perfil de consumo: um “kit do mês” com itens básicos, ou um “kit café da manhã” com produtos de conveniência. O apelo é emocional e racional ao mesmo tempo: o consumidor sente que organiza o orçamento e simplifica a vida.
Durante o pico inflacionário de 2023–2024, esse modelo foi especialmente eficaz para públicos de renda média e baixa, que buscavam planejamento sem abrir mão da qualidade. Ao oferecer o conjunto por um valor fechado, as empresas reintroduziram previsibilidade na rotina de compra — algo que a inflação havia destruído.
O turismo e a ideia de “créditos flexíveis”
O setor de turismo, um dos mais impactados pela oscilação de preços, também reinventou sua estrutura de oferta. Empresas passaram a vender créditos de viagem em vez de pacotes fixos, permitindo que o cliente definisse quando e como usar o saldo. Em vez de “três noites no Rio”, o consumidor comprava “R$ 2.000 em créditos de hospedagem”, podendo utilizá-los ao longo do ano. Essa flexibilidade tornou-se um diferencial competitivo, especialmente entre jovens e famílias que planejam viagens com antecedência, mas temem reajustes inesperados.
Esses exemplos mostram que o futuro da precificação em tempos de inflação não está em “aumentar ou não aumentar”, mas em reinventar o formato da escolha. Empresas que transformam o preço em uma experiência participativa — em que o cliente entende, escolhe e percebe coerência — constroem uma confiança que resiste às flutuações econômicas. Em última instância, o que fideliza não é o desconto, mas a sensação de que a relação é justa, adaptável e transparente.
Capítulo 8 — O que muda no Brasil
Toda estratégia de precificação precisa dialogar com o contexto em que nasce. E, no Brasil, falar de preço é falar de confiança — uma moeda escassa em um mercado onde a inflação, a burocracia e a informalidade convivem há décadas. Mais do que em outros países, o consumidor brasileiro aprendeu a desconfiar do preço que muda rápido demais, do “pequeno aumento” que vira rotina e das ofertas que parecem boas demais para ser verdade.
Por isso, aplicar estratégias de ofertas integradas por aqui exige algo que vai além da criatividade: exige sensibilidade cultural.
Enquanto em mercados mais estáveis a combinação de produtos é vista como inovação, no Brasil ela pode ser interpretada, se mal comunicada, como tentativa de mascarar aumentos. A linha entre “pacote vantajoso” e “venda casada” é tênue, e o público — cada vez mais informado — sabe reconhecê-la. O que define o lado certo dessa fronteira é a liberdade de escolha.
Uma combinação de produtos é bem recebida quando o cliente sente que optou, não que foi conduzido. Por isso, o princípio básico é simples: oferecer o conjunto como uma alternativa e não como obrigação. A legislação brasileira, representada pelo Código de Defesa do Consumidor (artigo 39, inciso I), reforça exatamente essa lógica: o cliente deve poder adquirir itens separadamente, e a combinação só faz sentido quando agrega valor real — seja em conveniência, seja em benefício adicional.
Além da dimensão legal, há uma dimensão simbólica. No Brasil, o preço carrega um aspecto emocional muito forte. Ele comunica respeito, reconhecimento e reciprocidade. Quando uma empresa estrutura suas ofertas de maneira clara, mostrando de forma transparente o que está incluso, por quanto e por quê, ela toca em um ponto de alta sensibilidade cultural: a sensação de ser tratado com honestidade.
Um estudo da PwC Brasil, realizado em 2024, mostrou que 78% dos consumidores afirmam valorizar empresas que “não escondem nada no preço”, mesmo que custem mais. É um dado que revela algo importante: o preço, aqui, é também uma linguagem moral. Marcas que abusam da complexidade ou tentam impor combinações sem explicação corroem confiança — e, no Brasil, confiança perdida é difícil de recuperar.
Por outro lado, quando as ofertas integradas são aplicadas com transparência, flexibilidade e clareza, elas ganham um poder enorme. O consumidor brasileiro é, ao mesmo tempo, pragmático e emocional. Ele quer economia, mas também quer sentir-se inteligente ao comprar. Uma oferta bem estruturada — que mostra o ganho de valor de forma visível — ativa esse sentimento. O cliente sente que está fazendo uma escolha racional e justa, e a empresa conquista lealdade em meio à instabilidade.
Em resumo: no Brasil, precificação é também construção de reputação. A inflação pode distorcer números, mas não muda a essência da troca — a confiança. E quem conseguir transformar o preço em um símbolo de clareza e respeito estará melhor posicionado não apenas para sobreviver a períodos de inflação, mas para prosperar quando ela passar.
Epílogo — Preço como sistema, não evento
Durante décadas, falar de preço foi sinônimo de falar de planilha. Custos, margens, reajustes, índices. Tudo parecia caber em uma lógica contábil. Mas o mundo — e o consumidor — mudaram. Hoje, o preço é um sistema de comunicação. Ele traduz como uma empresa entende valor, como ela se posiciona e, sobretudo, como ela respeita quem a escolhe.
A inflação dos últimos anos expôs as fragilidades desse sistema. Empresas que tratavam o preço como uma reação — uma resposta automática a cada novo aumento de custos — descobriram o limite da elasticidade emocional do consumidor. A cada reajuste, uma pequena parte da confiança era perdida. Outras, porém, compreenderam o momento como uma oportunidade de amadurecimento: em vez de repassar custos, repassaram sentido. Elas reconstruíram a narrativa do preço, mostrando que valor não é apenas o que se cobra, mas o que se entrega — e o que se representa.
Ao longo dos capítulos, vimos que as combinações de produtos, os formatos flexíveis e as escadas de valor são apenas instrumentos dentro de uma lógica maior. O que realmente diferencia as empresas em períodos de inflação não é a técnica, mas a filosofia. As que prosperam são aquelas que tratam o preço como uma relação viva, não como um número fixo. Elas testam, ouvem, ajustam. Elas não têm medo de explicar o porquê de suas decisões — e é justamente essa franqueza que gera lealdade.
No Brasil, essa lição ganha ainda mais força. Em um país onde o consumidor já viveu hiperinflações, congelamentos e incertezas, a transparência virou sinônimo de respeito. Marcas que assumem uma postura aberta e empática na comunicação de preço não apenas vendem mais: elas constroem reputação. E reputação, em um ambiente instável, é o ativo mais estável que uma empresa pode ter.
No fim das contas, o preço é o ponto de encontro entre economia e psicologia, entre estratégia e confiança. Ele conta, de forma silenciosa, a história de como uma marca entende o valor das coisas — e das pessoas. Em tempos de inflação, quem consegue contar essa história com clareza transforma o desafio em vantagem. E quando a inflação passar — porque sempre passa —, serão essas empresas, que aprenderam a precificar com propósito, que permanecerão à frente.